Recentemente, vários meios da imprensa brasileira noticiaram como manchete algo igual ou semelhante a “STJ decide que condomínio não pode proibir animal.” ou “Decisão do STJ que permite animais em condomínios reflete em mudança” e tantas outras.
Assim, respeitando opiniões diversas, a decisão proferida pelo STJ no julgamento RECURSO ESPECIAL Nº 1.783.076 – DF (2018/0229935-9), talvez tenha sofrido um efeito midiático muito maior do que a essência jurídica da decisão em si. Fato que é compartilhado por inúmeros outros advogados que atuam no Direito Condominial.
O ora exposto pode ser extraído da própria ementa do julgado, vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964. 4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. 5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. 6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores. 7. Recurso especial provido.”(gn)
Desse modo, parece me perceptível que o STJ não proferiu nenhuma decisão autorizando de forma indiscriminada a permanência de animais em condomínio, mas, apenas, e tão somente, fez prevalecer o contido nos artigos 1.336, IV do CC/2002 e 19 da Lei 4.591/64, que diz:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos
Destarte, o que o STJ reiterou é que a norma condominial que proíbe a permanência de animais em condomínio não deve prevalecer quando não estiver comprovado que o animal (independente de sua espécie e raça) prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança do nicho condominial.
Assim, como abordado com maior profundidade em artigos pretéritos: Animal em condomínio, pode? E Posso ter animal na minha unidade condominial, mesmo que a convenção de condomínio proíba?, a decisão proferida pelo STJ chancelou que é legal a permanência do animal no âmbito condominial, desde que, reitera, não prejudique o sossego, a salubridade e a segurança dos demais.
Portanto, síndicos continuarão podendo exercer o direito de multar e até mesmo requerer judicialmente a retirada de qualquer animal existente no condomínio, quando isso violar as ressalvas previstas em Lei.
Desse modo, em que pese grande compartilhamento midiático, a decisão proferida, ainda que extremamente relevante, principalmente pela brilhante capacidade didática contida em sua ementa, sob o ponto de vista jurídico, talvez não traga nenhuma interpretação jurídica tão inovadora.
Outrossim, é possível extrair da decisão que o STJ está atento ao direito de propriedade, e preza pelo direito do proprietário usufruir, dispor e gozar de unidade condominial, desde que não prejudique outrem, entendimento semelhante ao existentes em algumas decisões proferidas pelo E.TJSP, em que o animal é objeto de discussão, vejamos:
“Condomínio edilício Ação de obrigação de fazer com pedido cumulado de indenização por danos morais Demanda de condôminos em face de condomínio Sentença de improcedência Parcial reforma, para reconhecer o direito de circulação com pequeno cachorro nas áreas comuns do edifício, com coleira e guia Cabimento Autores cuja família é constituída por um casal de idosos e uma pessoa com deficiência Regra imposta em assembleia geral de condomínio, a exigir a circulação de animais apenas no colo Restrição que não deve ser imposta aos autores, ante as particularidades da família Uso de coleira e guia no animal da raça ‘Lhasa Apso’, com apenas 8 kg, que não acarretará prejuízos aos demais condôminos Dano moral Inocorrência Ausência do dever de indenizar, a tal título. Apelo dos autores parcialmente provido.” (Apelação n. 1025759-35.2017.8.26.0007, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel. Marcos Ramos, j. em 20/03/2019).
“CONDOMÍNIO. Declaração de inexigibilidade de multa. Reconvenção objetivando a condenação da autora-reconvinda ao pagamento da prestação pecuniária. Sanção aplicada por descumprimento da regra prevista no regimento interno que restringe a permanência de animais domésticos nas áreas comuns para entrada e saída do edifício e desde que estejam no colo do dono. Autora que possuía três cachorros e não tinha condições de carregá-los simultaneamente no colo. Regra que se revela desproporcional e desarrazoada. Inexigibilidade da multa mantida. Honorários advocatícios fixados em conformidade com as diretrizes dos §§ 2º e 8º do art. 85 do CPC. Recurso desprovido.” (Apelação n. 1015342-93.2016.8.26.0577, 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Milton Carvalho, j. em 09/10/2017)
CONDOMÍNIO – Pretensão condenatória ao cumprimento de obrigação de fazer julgada procedente – Convenção do condomínio – Animais domésticos – Vedação – Pequeno porte – Ausência de reclamações por parte dos demais condôminos – Regra flexibilizada – Exegese do artigo 19, da Lei Federal nº 4.591/64, e artigos 1.277, 1.331, § 1º, e 1.335, I e II, 1.336, IV, do Código Civil – Sentença mantida – Verba honorária advocatícia majorada para R$ 2.000,00, a termo do disposto no artigo 85, parágrafo 11, do NCPC – Apelo não provido. (TJSP; Apelação Cível 1010064-30.2017.8.26.0625; Relator (a): Sá Duarte; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/02/2019; Data de Registro: 26/02/2019)
No entanto, outras decisões, especialmente quanto ao veto do transporte de animais, principalmente cachorros, nas áreas comuns continuam e continuarão sendo discutidas. E, para essas pessoas, penso que a decisão recente do STJ poderá ser muito mais útil, posto que, se foi decidido que é possível manter animais, desde que não prejudique outrem, restringir e/ou condicionar deliberadamente seu acesso como forma de inibir sua permanência no âmbito condominial é irregular. E, possivelmente, em um futuro não muito distante também será alvo de manifestação mais efetiva e didática pela Corte.
Porém, talvez o mais importante seja entendermos que os animais cada vez mais estão integrados nas famílias, há estudos do quão úteis são no tratamento de autismo, depressão e outras enfermidades, então, por qual motivo proibir algo que não traz problema algum à coletividade?
Talvez, fossemos seres mais evoluídos, teríamos a capacidade em perceber que é possível uma convivência harmoniosa, com a ressalva de que somente as situações que infrinjam o previsto nos artigos 1.336, IV do CC/2002 e 19 da Lei 4.591/64 devam ser coibidas.